Anna Voig — o monstro debaixo da minha cama

Sabe quando você deixa seus olhos relaxarem e a realidade já não se parece tanto com a realidade assim? Foi assim que conheci Anna Voig.

Deitada no chão do meu quarto, me virei de lado e foquei meu olhar no espaço vazio debaixo da cama. Meu peito estava pesado e meus pensamentos corriam a 500km/h. Nenhum deles dependia do estímulo visual das coisas à minha frente. Meus olhos relaxaram e, de repente, vi uma mão se mexer nas sombras. Meus olhos não obedeceram os comandos para voltar ao estado normal, então continuei a olhar. Após o dedo, consegui perceber o restante da mão e do braço, que se aproximavam de mim.

Seu braço era longo, pois eu conseguia ver seus olhos me encarando de longe, seu corpo parado quase na mesma posição que eu estava, com o rosto e joelhos virados para mim. Senti o toque dos seus dedos, nos meus, mas não muito. Era como encostar o pé no chão quando ele está dormente. Você reconhece o toque ao mesmo tempo em que não sente nada. Puxei minha mão de volta para perto do meu corpo e me virei de barriga para cima. Fechei os olhos, respirei fundo e reuni alguma coragem, que não foi muita.

Virei a cabeça para a direção dela e abri os olhos ao contar de 1… 2… 3.

Ela não estava lá. Em seu lugar, havia poeira e alguns fios. Umas duas ou três caixas de sapato.

Esse foi meu primeiro contato com Anna Voig. Fiquei assustada e torci para que fosse o último, mas não foi. Ela aparecia toda vez que eu relaxava os olhos; nunca quando eles estavam atentos, mesmo que à sua procura.

Durante algum tempo, tive receio de receber suas visitas. Mas, ainda curiosa, passei a entrar debaixo da cama para visitá-la. Ela me dizia palavras duras, mas ao mesmo tempo verdadeiras. Me permiti absorver suas palavras e passar horas e, até, dias inteiros de mãos dadas com ela. A sensação sempre foi a da dormência.

As pessoas ao meu redor nunca a viam. Começaram a se preocupar. Minha mãe trouxe alguém para procurá-la. Anna Voig me disse que essa pessoa era perigosa; que era uma das tantas que lhe perseguiam e perseguiram durante toda sua vida. Garanti que ela não precisava se preocupar, eu a espantaria. Assim o fiz.

Mas um dia, enquanto estava debaixo da cama fazendo companhia para Anna, ouvi algumas risadas no corredor. Espiei, curiosa, sem deixar que minha companheira percebesse. Vi minha mãe, minha irmã e meu pai brincando com nossos cachorros. Quis sair e brincar com eles, mas Anna me segurou e pediu que não a abandonasse. Assenti. Soube que ela estava fazendo o melhor para mim quando os ouvi brigando por causa da louça na pia.

Cada dia que passava, eu passava mais tempo com Anna Voig debaixo da cama. Era difícil sair. Ela me segurava pelo pulso e acabava me machucando com as unhas quando eu fazia força para que me soltasse.

Em algum momento desses dias, ouvi minha mãe avisando que nos mudaríamos. Olhei para Anna e ela me garantiu que iria comigo; disse que eu não precisava me preocupar. Nesse momento me senti presa — não queria que ela fosse, mas não adiantava argumentar com ela. Nos mudamos e ela foi junto, presa debaixo da minha cama.

Nos primeiros dias, foi difícil sair de perto dela. Mas quando as aulas começaram, fui mais esperta e saia de casa sem avisá-la. Ela não conseguiu me seguir. Fiz alguns amigos. Era bom sair de debaixo da cama por algum tempo. No entanto, quando chegava em casa, ela me puxava e me prendia debaixo da cama até o dia seguinte. Era a condição dela para que eu saísse sem ela durante algumas horas.

Com o passar das semanas, minha vontade de sair de debaixo da cama crescia. Montei um plano. Para facilitar minhas saídas, convidei ela para uma manicure. Cortamos nossas unhas juntas, lixamos e as deixamos bem bonitas — e inofensivas. A partir daquele momento, meus braços não eram mais arranhados quando ela me segurava para não sair. Tornei a manicure um hábito nosso.

Um tempo depois, parei de dividir minha comida com ela, para que ficasse mais fraca e não conseguisse me segurar. Ela entendia, pois eu dizia que estava com muita fome. Mas ficava de mal humor.

Saindo do banho em uma noite alguns meses depois, decidi que não a visitaria mais debaixo da cama. Uma semana se passou; eu a ouvia me chamando todos os dias, o dia inteiro. Três semanas depois, ela já chamava mais alto. Seis semanas depois, eu ouvia Anna Voig implorar pela minha companhia. A ignorei.

Em um dia que ela gritava tanto, que achei que todos no prédio a ouviriam, ela saiu de debaixo da cama. Eu estava vendo TV e, distraída, relaxei meus olhos. A percebi no canto direito do meu canto de visão. Anna Voig me olhava com raiva. Gritou que eu a havia abandonado. Tampei meus ouvidos com as mãos. Ela segurou meu pulso. Percebi que suas unhas haviam crescido de volta.

Enquanto ela gritava, fechei os olhos e me encolhi no sofá. Permaneci encolhida até que tudo ficou silencioso. Abri os olhos, atenta. Ela havia sumido. Naquele dia percebi que não poderia ignorá-la totalmente o tempo inteiro.

Nunca mais vi o rosto de Anna Voig, mas continuei aparando suas unhas; sempre sentada em cima da cama e me cuidando para não cair. Meus braços não estão mais arranhados, mas têm marcas suficientes para que eu nunca me esqueça de cortar suas unhas.

Ainda relaxo os olhos e a percebo me observando de longe. Sempre debaixo da cama, pela fresta do armário, no piso de um lago que eu não consigo ver o fundo, quase agarrando meu pé. Anna Voig jurou que nunca me abandonaria, e sei que vai cumprir a promessa. É por isso que estou sempre vigilante, me preparando para o momento no qual ela vai tentar me puxar de volta para junto de si.

A imagem é escura, consegue-se ver apenas sombras. Com as sombras, distinguimos a silhueta de uma mulher, seus olhos brilham.

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