na correria, você congela ou foge?

Como eu me sinto a maior parte do tempo. || Quadro “Uma Jovem Em Seu Leito de Morte”, de 1621 - Reprodução/Musée des Beaux-Arts de Rouen (Folha de S. Paulo).

loop infinito

Acordo, engulo meu café de pé porque não dá tempo de sentar, coloco a xícara na pia e encho d’água para lavar depois, vou ao banheiro com o celular na mão, um, dois, três vídeos rolam para cima enquanto estou fazendo xixi, minha perna começa a ficar dormente então percebo que estou ali há mais tempo do que gostaria, olho a hora, ainda não é atraso, mas já vou chegar em cima da hora no trabalho, corro até o quarto, troco de roupa, não tenho tempo de arrumar o cabelo, escovo os dentes sem me olhar no espelho porque estou assistindo de soslaio mais um Tiktok de 10 minutos com uma mensagem do tarô que me encontrou porque era destinada a mim, saio pela porta de casa no automático ouvindo o final do vídeo, esqueço a chave do carro, preciso voltar e pegar, perdi o final do vídeo, volto ele do início para ouvir com mais atenção, entro no carro, coloco o celular no apoio, percebo que me perdi outra vez no vídeo, salvo ele para assistir mais tarde, abro o Waze, coloco o endereço do trabalho para desviar de engarrafamentos, acabo engarrafada antes mesmo de sair do bairro, todo mundo parece que saiu ao mesmo tempo, logo hoje que vou me atrasa-

Logo hoje?

Respiro fundo uma vez.

Sonho em trabalhar remoto.

Em me mudar para uma chácara no interior porque preciso desacele-

O engarrafamento desengarrafou e é minha vez de virar à direita, acelero para chegar logo até o radar, piso no freio rapidinho e passo sem levar multa, acelero de novo para passar logo pelo semáforo, ficou vermelho, mas até 3 segundos depois do vermelho não dá multa, será que isso é verdade, viro mais à direita e outra direita e uma esquerda e acho que não vai ter vaga, paro trancando um carro que já estava ali, não tem problema, todo mundo faz, essa pessoa provavelmente vai sair na mesma hora que eu, pego a bolsa, equilibro ela e o celular na mão, fecho a porta do carro, a chave ficou dentro, abro a porta mais uma vez, me abaixo, a bolsa cai do meu colo, minha caneta e um gloss hidratante caem no banco do carro, cato, pego a chave, o celular e a bolsa aberta, ando rápido até a entrada, acho meu cartão, bato o ponto e meu cérebro vira-

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Vestibulum a pharetra urna. Nullam aliquam dolor eu arcu malesuada porta. Nullam ligula augue, aliquet ac tempus nec, placerat eget dui. Donec a risus ex. Integer nec odio sit amet leo condimentum pharetra nec ac lectus. Fusce ut pharetra nunc, at tincidunt sem. Suspendisse pulvinar nulla et nisl varius tincidunt. Etiam ultricies posuere purus consectetur maximus. Nulla facilisi.

Ut nec odio maximus, lobortis purus non, scelerisque est. In auctor, turpis vitae maximus commodo, diam leo aliquam nunc, et placerat libero leo et ligula. In aliquam ullamcorper odio. Quisque eu lacinia ex. Curabitur placerat eros ut nibh tristique, ut tempor lectus facilisis. Ut ut arcu id libero fringilla aliquet. Pellentesque habitant morbi tristique senectus et netus et malesuada fames ac turpis egestas.

Bato o ponto de saída, corro até o carro, preciso sair logo e fugir do engarrafamento, o celular vibra enquanto coloco ele no apoio, ligo a música e o GPS, os pop-ups de notificação do chefe ficam aparecendo por cima do caminho, preciso entregar aquela tarefa, terminar aquele projeto, não, isso é problema de amanhã, levo uma buzinada, hoje tem que empurrar o sofá e resgatar meu carregador, fazer a janta, dar comida pro gato, limpar a caixinha de areia direito e fechar os ralos porque tá subindo bicho por causa da dedetização do prédio, acelero para chegar mais rápido, voo sem querer num quebra-molas, diminuo a música, estaciono, saio do carro, subo de escada correndo porque escuto meu gato miando alto e não posso deixar ele incomodar os vizinhos, o cachorro da vizinha escuta meu gato e começa a latir, os outros cachorros do prédio entram no coro e agora eu tenho certeza que o prédio todo me odeia porque são oito da noite e tá essa barulheira, abro a porta, impeço o gato de fugir, largo a bolsa na mesa, corro para o banheiro, sento no vaso, um, dois, três vídeos rolam para cima, minha perna começa a ficar dormente, olho a hora, ainda não está tarde demais, mas já perdi a hora de começar minha higiene do sono, devia estar evitando luz azul, tomo banho, passo hidratante calmante na pele, me enrolo na toalha, estou cansada, peço iFood, demora a chegar, já são onze da noite, só tenho mais seis horas de sono e ainda nem comi, finalmente a comida chegou, estou morrendo de fome, engulo assistindo meio episódio da mesma série que estava assistindo ontem, não lembro da trama, anoto mentalmente pra reassistir o episódio quando tiver tempo, nunca tenho tempo, jogo a embalagem fora, escovo os dentes, deito na cama, revisito toda a lista de tarefas do dia seguinte, repasso minhas interações de hoje, minha chefe com certeza quer me demitir, sacudo a cabeça.

Respiro fundo uma vez.

Sonho em não ter chefe.

Em me mudar para uma chácara no interior porque preciso desacelerar, mas amanhã penso nisso.

------------

Texto originalmente publicado na minha newsletter: Diatribes de uma Zillenial

Comentários