Me dei a liberdade de ser de onde decidi ser

Eu não nasci brasiliense. Nasci no Paraná, de pais cariocas. No frio, vestia tantas roupas ao mesmo tempo que não conseguia bater palmas. Então sou paranaense? 

Morei no Paraná durante 1 ano e me mudei para Rondônia. Morei 3 anos lá. Andava apenas de fralda por conta do calor e era cliente fidelidade da sorveteria. Amava pipoca com "beiquinho" na saída da escolinha e foi lá que tive meus primeiros tombos: uma vez caí de motinha e dei com a cara no meio-fio. O machucado ficou tão feio que minha mãe não quis tirar foto para não se lembrar. Lá aprendi a falar, brincar e contar historinhas. Sou rondoniense?

Meu sotaque era carioca depois da mudança de Rondônia para o Rio de Janeiro, onde morei até os 11 anos de idade. No Rio aprendi a ler, me tornei escoteira, aprendi o que é ter família perto, conheci milhares de primos e tios que ainda moram lá. Me apaixonei por joelho e guaravita, ia de chinelo para todo canto, amava churrasquinho e cachorro quente de rua. Gastei muito dinheiro no açaí que tinha na saída do colégio. Pude ir a algumas Bienais, visitei o zoológico algumas vezes, era frequentadora do Norte Shopping e amava andar de trem nas excursões do escoteiro. Conheço cada curva e quebra-molas do condomínio onde morava e até hoje consigo ouvir meu primo me chamando na porta de casa para brincar. Minha família toda continua lá. Sou carioca?

Aos 12, me mudei para o Mato Grosso do Sul e passei três anos da minha adolescência lá. Em Campo Grande, me afirmei como quem sou: descobri meu gosto musical, minha personalidade e os valores importantes para mim. Comecei a escrever meu primeiro livro nos balneários de Bonito - MS. Fui diagnosticada com depressão, fiz amizades fortíssimas, experimentei um coração realmente partido pela primeira vez. Me moldei em meio às capivaras do Parque das Nações, às muvucas das Game Shows e aos restaurantes da praça de alimentação do Shopping Campo Grande. Descobri meu lugar preferido na cidade: a Feira Central e me apaixonei por sobá. Me apresentei como artista pela primeira vez no palco montado na quadra do colégio ao lado da minha melhor amiga e cantando Viva La Vida. Sou campo-grandense?

Cheguei a Brasília com 15 anos. Vim para cá com o coração muito mais aberto que na ida para Campo Grande. Em terras da capital federal aprendi que a vida poderia, sim, ser colorida novamente e que eu não era minha depressão. Reencontrei alguns dos melhores amigos que já tive na vida. Fiz novas fortes amizades. Me deixei relaxar no clima mais fresco e seco. Me apaixonei pelos ipês do eixão e pelas cachoeiras da Chapada Imperial. Achei incrível a facilidade com que Brasília unia as melhores partes de se morar numa grande capital com as melhores partes de se morar numa cidade menor. Me surpreendi com o céu brasiliense e com a história da cidade. Pela magia da rapidez com a qual as plantas da cidade se recuperam do longo período de seca. Me formei no Ensino Médio sob o forte sol de dezembro no planalto central e entrei na faculdade com a magia dos gramados ainda verdes da UnB. Na faculdade, me senti em casa ao ver que não era a única que nunca havia sido realmente de lugar nenhum. Abracei a grandiosidade de Brasília ainda mais ao perceber que, no Brasil, essa seria a cidade que eu poderia chamar de lar com mais tranquilidade. Porque aqui ninguém é daqui. Aqui eu não preciso ser daqui para pertencer.



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